Este é o lema da jornalista Francine Lima, criadora do canal “Do campo à mesa”, que decifra a verdade por trás dos alimentos industrializados.
REDAÇÃO PRÊMIO JOVEM CIENTISTA
17/12/2014 07h01
Quando surgiu o seu interesse pela alimentação saudável?
Francine Lima – Eu aprendi a comer bem em casa. Na adolescência já comparava meus hábitos com os das amigas e colegas de escola, estranhando os delas. Na graduação, longe da casa da família, onde sempre tive comida na mesa, descobri que sem aprender a cozinhar pelo menos o básico eu não conseguiria me alimentar bem na vida adulta. Mas não era assim que meus colegas universitários pensavam. Eles aceitavam matar o “estorvo” da fome com o que estivesse mais à mão. Não queriam perder tempo planejando e preparando as refeições. E fui vendo que isso acontecia cada vez mais com os adultos mais velhos também, inclusive mães, que já não alimentavam suas crianças com o mesmo cuidado da minha. Foram essas observações que me levaram a querer trabalhar com o tema.
Francine – A motivação foi esse incômodo antigo com o abandono que eu observava nas pessoas em relação à qualidade do que comem. Eu enxergava claramente que o supermercado está cheio de comida de mentira e de informação de mentira, mas a maioria das pessoas não tinha essa percepção. Então eu queria oferecer esse ponto de vista crítico a mais gente. Os vídeos no YouTube são hoje o meio mais rápido e barato para alcançar um público numeroso.
Os vídeos são bastante didáticos, com linguagem simples e até divertida. Qual o objetivo de produzir um material com este perfil? Qual é seu público-alvo?
Francine – O objetivo é alcançar o público de massa, gente de todas as idades, faixas de renda e graus de instrução, que não esteja necessariamente interessada em alimentação saudável ou nutrição, mas goste de conteúdos úteis e divertidos. E também mostrar que comer direito não depende de um conhecimento técnico e aprofundado em nutrição, e sim de um pensamento crítico perante o mercado de consumo. É meu jeito de avisar que uma mensagem honesta e simples pode ser mais útil que essa quantidade enorme de informação contraditória sobre dietas que outras mídias trazem.
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Seu lema é: Você é o que você sabe sobre o que come. É possível saber tudo o que se come ou ainda é difícil para o consumidor identificar as substâncias das quais se alimenta?
Francine – É difícil pra caramba. Eu pesquiso muito pra chegar a algumas respostas, e algumas eu não consigo alcançar. Isso acontece porque a indústria não está minimamente interessada em nos deixar saber tudo. Recebo muitas respostas de empresas que se negam a me responder perguntas, ou que fingem respondê-las. Por isso o jornalismo investigativo sobre as práticas empresariais é tão importante. Eu não conheço todos os caminhos. Estou aprendendo à medida que tento.
Você denuncia propagandas de alimentos que não são totalmente verdadeiras com o consumidor. Isso não deveria ser denunciado formalmente? Como o consumidor pode identificar esse tipo de “enganação” e como deve proceder?
Francine – Primeiro, acho que as pessoas deveriam se dar conta de que a propaganda nunca é 100% confiável. Não é pra informar que ela serve, e sim para enaltecer características que interessam às empresas enaltecer, o que também significa esconder as que interessa esconder. Eu enxergo as propagandas como fontes de pistas do tipo de informação que as empresas estão tentando esconder. Temos algumas iniciativas de regulação da publicidade que são largamente rechaçadas não só pelos setores interessados (agências e mídias patrocinadas por propaganda), como também pelo público. Esse é um tabu enorme no Brasil. Sabemos que a autorregulação não evita abusos, mas é isso que mais se defende aqui. Por isso eu acredito que educar a escuta da sociedade para o verdadeiro papel da propaganda é um caminho necessário, embora não o único.
Francine – Os rótulos são meios de comunicação de massa, assim como os jornais e as revistas. É assim que trato deles na minha pesquisa de mestrado. Como tais, deveriam usar linguagem adequada à comunicação com seu público. Na mídia impressa, há um esforço crescente de adaptação da linguagem escrita aos novos tempos, até para competir com as linguagens ágeis da internet. Usam-se mais imagens, mais infografia, mais segmentação do texto. Os rótulos não estão acompanhando as necessidades de seu público-alvo. Os opositores da revisão das regras de rotulagem vêm sempre com o argumento de que cabe à educação a função de facilitar o entendimento das informações nos rótulos. Já pensou se, em vez de melhorar a infografia, as revistas mandassem seus leitores de volta à escola pra lerem mais os clássicos e gostarem de ler textos longos? Pois bem. Não é o leitor que tem de se adaptar ao veículo, e sim o veículo que tem de se adaptar ao leitor, porque é assim que as coisas são num mundo em que a informação é competitiva. Eu trabalhei anos com mídia impressa, mas vi no YouTube uma linguagem mais competitiva pra transmitir minha mensagem. Também tive de me adaptar.
Já que não há previsão de mudanças, qual dica você daria para que o consumidor consiga interpretar os rótulos com mais facilidade?
Francine – Primeiro, saiba que a embalagem, tanto quanto uma revista, tem publicidade e informação dividindo o espaço. Só que na embalagem a publicidade ocupa mais espaço e tem mais destaque que a informação. Então encare a publicidade como publicidade (nunca é 100% confiável, lembra?) e procure a informação. A informação mais relevante que temos hoje nas embalagens é a lista de ingredientes, que está obrigatoriamente na ordem decrescente de quantidade, o que indica aproximadamente qual é a composição do produto. Com frequência a lista de ingredientes, lida dessa forma, contradiz a publicidade.
Então, a ordem dos ingredientes faz diferença?
Francine Lima – Sim, ela está na ordem decrescente. Os primeiros itens da lista indicam, portanto, quais os principais ingredientes na composição do produto. Em muitos produtos o açúcar está entre os primeiros itens da lista, o que na minha forma de fazer compras já me afasta de uma quantidade bem grande de produtos à venda em supermercados.
Ver seus vídeos pode ser, muitas vezes, desanimador. A maioria dos produtos industrializados contém substâncias que não fazem bem à saúde e há poucas alternativas para consumo. Como adequar uma alimentação saudável com os alimentos industrializados, cujo consumo acontece muito pela falta de tempo das pessoas?
Francine – Soa desanimador pra quem está acostumado a terceirizar a maior parte da sua alimentação para a indústria, cujas práticas nós desconhecemos. Eu prefiro cozinhar/ preparar minha própria comida ou terceirizar para um restaurante que cozinhe alimentos frescos, pois as práticas do restaurante tradicional tendem a ser parecidas com as práticas caseiras, nas quais normalmente podemos confiar, pois conhecemos melhor. Precisaremos de alguns industrializados, certamente. Neste caso, devemos escolhê-los de acordo com o que sabemos sobre eles, em vez de confiar cegamente num sistema que está longe de ser perfeito.
Agora... A falta de tempo para cozinhar é em parte uma ilusão. As pessoas se convenceram de que não têm tempo, também porque a indústria de alimentos reforça essa ideia constantemente, para seu próprio benefício. A indústria cultural também compete com esse tempo, por meio de programas de TV que não podemos perder. Enfim, vários setores da economia querem ocupar esse tempo que antes era ocupado dentro da cozinha. Eu acredito, até porque pratico isso, que basta um pouco de planejamento e organização pra tornar essa rotina na cozinha possível. Claro que eu tenho a vantagem de trabalhar em casa, o que me permite ir do escritório até a cozinha para checar a comida no fogo em questão de segundos. Mas conheço pessoas que encontram outras soluções. Trata-se de devolver a comida um lugar prioritário na nossa vida, em vez de reduzi-la a um lugar de transtorno.
A 28ª edição do Prêmio Jovem Cientista aborda o tema “Segurança Alimentar e Nutricional”. As linhas de pesquisa envolvem toda a cadeia de produção, do campo à mesa. Na sua opinião, qual a importância de fomentar a busca por inovações no setor?
Francine – A inovação de que eu sinto falta é no sistema de informação. Estamos começando a ter sistemas de rastreabilidade conectando produtores e consumidores de uma forma inédita. Se tivermos como saber exatamente o que estamos comendo e o que estamos alimentando, em termos de práticas econômicas, sociais e culturais, quando comemos, aí sim poderemos saber em que medida podemos ou não confiar no que a indústria nos oferece. Até lá, as tradições nos oferecem mais segurança.
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As inscrições para o Prêmio Jovem Cientista terminam esta semana. Estudantes e pesquisadores de todo o Brasil podem enviar seus trabalhos até o dia 19 de dezembro pelo site. O Prêmio Jovem Cientista é uma iniciativa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), em parceria com a Fundação Roberto Marinho, e conta com o patrocínio da Gerdau e da BG Brasil. Criado em 1981, a iniciativa é um dos mais importantes reconhecimentos aos cientistas brasileiros, tem o objetivo de incentivar a pesquisa no país e reconhecer jovens talentos nas ciências.
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