Terceira Civilização, Edição 471, 01/11/2007, pág. 6 / Especial
“Sofra
o que tiver de sofrer. Desfrute o que existe para ser desfrutado.
Considere tanto o sofrimento como a alegria como fatos da vida e
continue recitando o Nam-myoho-rengue-kyo, não importando o que
aconteça. Que outro significado isso poderia ter senão a ilimitada
alegria da Lei? Fortaleça sua fé mais do que nunca.”
(“A felicidade neste mundo”. The Writings of Nichiren Daishonin, v. 1, p. 682.)
Por que as pessoas praticam uma religião ou seguem uma filosofia de vida? A resposta mais comum é: para serem felizes.
Embora
atingir metas como bem-estar familiar, boa saúde, ascensão social e
econômica estejam presentes em muitas sociedades como requisitos para a
conquista da felicidade, está claro que essa condição resulta de uma
série de valores e experiências pessoais e, portanto, possui caráter
particular e subjetivo.
O objetivo desta matéria não é cercear os
valores individuais em torno do conceito de felicidade, mas discorrer
sobre a forma como o budismo trata esse tema, bem como sobre a questão
dos benefícios e da boa sorte, ao qual está estreitamente relacionado.
Felicidade e liberdade
Quando
o ser humano tem seus desejos realizados, sente-se feliz. Entretanto,
essa felicidade é passageira, uma vez que, na realidade, as pessoas
nunca se sentem plenamente satisfeitas, ou seja, estão sempre almejando
algo mais.
Felicidade não é sinônimo de ausência de infortúnios.
Está relacionada à maneira como cada um encara as adversidades e à
capacidade de transformá-las a seu favor. Dessa forma, é algo que
depende de si próprio e não de forças externas.
Como todas as
religiões, o budismo ensina às pessoas como conquistar uma vida feliz.
Entretanto, a maioria das religiões incentiva os seguidores a orar para
que uma força transcendental surja e remova os sofrimentos da vida.
Nesse ponto, verifica-se que as pessoas, religiosas ou não, procuram
livrar-se das causas das dificuldades e da infelicidade. O Budismo de
Nitiren Daishonin, por sua vez, ensina que a própria pessoa tem o
potencial necessário para transformar as dificuldades em felicidade.
No
budismo, a idéia de felicidade equivale a atingir o estado de Buda — o
benefício máximo de sua prática. Definir o estado de Buda é extremamente
difícil. Quanto mais as pessoas praticam os ensinos de Nitiren
Daishonin, mais nitidamente sentem a total inadequação das palavras para
expressar o que ocorre em seu coração quando se sentam diante do
Gohonzon e recitam o Nam-myoho-rengue-kyo.
Estudiosos budistas
criaram, ao longo dos séculos, termos e conceitos na tentativa de
responder a pergunta: o que é o estado de Buda ou a condição de
felicidade absoluta? O segundo presidente da Soka Gakkai, Jossei Toda,
descreveu essa condição de vida às pessoas que passavam por extremas
dificuldades do Japão pós-guerra, na década de 1950, com base numa
experiência própria: “É como estar deitado em um vasto campo aberto a
contemplar o céu com os braços e as pernas estendidas. Tudo o que se
deseja aparece num instante. Por mais que vocês gastem, há sempre mais à
sua disposição. Tente e verão que vocês podem atingir essa condição de
vida”. O fato mais impressionante dessa declaração de Toda é que ele
havia chegado a essa compreensão ao passar pela experiência de ter
atingido a iluminação dentro de uma minúscula cela carcerária. “A
felicidade, a verdadeira liberdade”, dizia Toda, “independe das
circunstâncias”.
O Buda Nitiren Daishonin, após ter enfrentado
várias perseguições e grandes dificuldades, afirmou: “Não há felicidade
mais verdadeira para os seres humanos que recitar o
Nam-myoho-rengue-kyo”.1 Dessas experiências, conclui-se que o estado de
Buda é um potencial que todos possuem inerente e que pode ser
desenvolvido e manifestado.
Como manifestar o estado de Buda?
Em
uma de suas explanações do escrito de Nitiren Daishonin “Sobre atingir o
estado de Buda nesta existência”, o presidente da Soka Gakkai
Internacional, Daisaku Ikeda, comenta: “Myoho-rengue-kyo é o nome da
verdade mística suprema, e Nam-myoho-rengue-kyo é o nome do estado de
vida dos budas que incorporam essa verdade. Assim sendo, quando
recitamos Nam-myoho-rengue-kyo com espírito de procura pela fé, o
infinito benefício da Lei Mística manifesta-se em nossa vida. Eis o
significado de fazer surgir ou manifestar o estado de vida do Buda.
“Isso
corresponde ao princípio de ‘causa e efeito num único momento da vida’
ou ‘simultaneidade de causa efeito’, segundo o qual a fé é a causa, e a
manifestação do estado de Buda, o efeito. Quando perseveramos na prática
do Nam-myoho-rengue-kyo, tanto nos momentos de sofrimento como nos de
alegria, quando nos dedicamos pela felicidade pessoal e dos demais,
podemos fazer com que a causa e o efeito de atingir o estado de Buda —
dois aspectos que estão compreendidos na prática da recitação do Daimoku
— tornem-se o núcleo ou a essência de nossa vida”.2
Essa
perspectiva do significado de iluminação transmite infinita esperança
por revelar que todos, sem exceção, podem experimentá-la.
O poder para superar os quatro sofrimentos universais
O
budismo ensina que há quatro sofrimentos (shoji, em japonês) dos quais
ninguém está livre: nascimento, velhice, doença e morte. Dos quatro
sofrimentos universais, o nascimento e a morte são os principais. Esse
conceito representa a transitoriedade, a mudança e, de fato, toda a
experiência das pessoas no mundo secular.
Tudo no Universo está
em fluxo constante. A própria imagem que uma pessoa vê diante do espelho
não é a mesma que viu no dia anterior.
O budismo defende que as
pessoas sofrem por buscarem sua identidade em coisas que são, por
definição, transitórias. Os quatro sofrimentos, aos olhos dos mortais
comuns, representam, portanto, o oposto ou obstáculos para a sua
felicidade. No entanto, aos olhos de uma pessoa iluminada, fazem parte
natural da vida e podem ser transformados nas chamadas “quatro
virtudes”: eternidade, felicidade, verdadeira identidade e pureza.
Em
síntese, eternidade é uma condição em que, não importando a extensão do
carma, a pessoa consegue evidenciar a energia vital interior por meio
da recitação do Daimoku e revolucionar não apenas a existência presente,
mas as futuras também.
Felicidade é a condição de vida em que
nada é capaz de abalar o indivíduo, pois, mesmo as piores adversidades,
são recebidas com serenidade.
Verdadeira identidade significa
estabelecer um “eu” indestrutível, do qual emana a alegria de viver
livre e espontaneamente. É uma condição de liberdade ilimitada que
exerce total domínio sobre o corpo e a mente, mediante o poder do estado
de Buda.
Por fim, pureza denota um estado de vida tão límpido
quanto a flor de lótus, que nasce, cresce e desabrocha em águas
lamacentas sem se deixar macular. Por meio da recitação do
Nam-myoho-rengue-kyo, as pessoas podem manifestar essa pureza e
exercerem a benevolência máxima em relação aos sofrimentos das demais, a
perseverarem em meio à sociedade turbulenta, sem se deixarem
influenciar ou se abater.
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